Interplexa

Do Latim Estérico: Inter (prep. "entre") + plexa (particípio do verbo "plicare", "dobrar", "desdobrar", "laçar") Significado: 1. neutro plural:"Coisas entrelaçadas ou que se desdobram internacionalmente" 2. feminino singular: "Mulher (ou menina) de camadas interligadas ou que se desdobra internacionalmente) Vide também: www.internexa.blogspot.com

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Local: Brasília, Toronto

Brasiliense de origem montalvanense desbravando o gelado inverno do doutorado canadense.

30.8.06

Re-abrindo a discussão (parte 5 de ?)

Alterego disse...

Luís,

Eu comparo Filosofia com História porque acho que as duas são igualmente importantes numa "educação liberal". Eu nunca vi ninguém discutir se História deveria ou não ser ensino obrigatório no segundo grau. E eu não vejo porque com a Filosofia deveria ser diferente.

O ensino médio no Brasil não é que nem em outros países em que se tem matérias eletivas. É gradinha fechada para todo mundo. É claro que a discussão sobre grade fixa vs. eletivas é muito válida. A comemoração então não é tanto pela obrigatoriedade da Filosofia em si, mas sim pelo fato de ter sida elevada ao status de outras matérias de segundo grau como a História e a Matemática. É aquela alegria de quem finalmente deixou de dormir de favor num colchão na casa dos outros e passou a ter seu próprio espaço de fato e de direito.

Não que isso resolva todos os problemas do mundo. Mas é uma pequena vitória. Qual o mal de comemorar? A alegria, nem que seja com coisa tão pouca, me dá ânimo para tentar melhorar o que falta, o que não é pouco. Pode ser que só eu ache isso legal, e eu entendo muito bem os que não compartilham de meu otimismo. Acho que até o desânimo dos pessimistas eu entendo. Agora gastar energia com anti-otimismo ativo é uma coisa da qual eu não vejo a utilidade.

Necessário vs. ajuda pra caramba

Se ao invés da história ou da filosofia eu tivesse dito que a alfabetização é necessária para o exercício ativo da cidadania, talvez a explicação tivesse sido mais clara. É claro que alguém ainda poderia dizer que "existem vários analfabetos que exercem bem sua cidadania, que transformam a realidade, que fazem história".

Se isso então prova que alfabetização não é necessária para a participação ativa na sociedade, o fato ainda permanece que o não saber ler dificulta muitíssimo tal participação. Daí dizer que a alfabetização, senão necessária para o exercício ativo da cidadania, pelo menos ajuda pra caramba.

Mas eu ainda prefiro arredondar para cima e dizer que é necessária ponto. Dá um toque retórico mais dramático.

Mas o que é esse tal de "exercício ativo da cidadania", e o que que a filosofia, a alfabetização ou a educação tem a ver com isso?

No começo do "Ensaio sobre o Entendimento Humano", Hume usa a definição aristotélica do ser humano como animal racional e social para dizer que se um desses três aspectos (animal, racional, social) sobressai ou atrofia, a pessoa não está vivendo plenamente seu potencial humano.

Por exemplo, se o social sobressai tanto que não se tem tempo para filosofar, ou não comemos e dormimos direito, temos um desequilíbrio. Por outro lado, se a filosofia nos prende à poltrona e a gente se esquece do lado animal ou social, também temos um desequilíbrio. Da mesma maneira, se só comemos e dormimos, e nem estudamos nem nos relacionamos, mais um desequilíbrio.

Pode ser que Aristóteles estivesse errado quando disse que o ser humano é um animal político, ou Platão quando disse que a diferença entre indivíduo e estado é só questão de escala. Mas estas questões em si mesmas são filosóficas.

Não só isso. Decidir ser uma pessoa apolítica é em si mesmo uma decisão política, e qualquer debate desesa natureza é um debate tanto político como filosófico. E esse é o tipo de debate que alunos de segundo grau têm toda capacidade e direito de fazer.

E por que não encorajá-los, e dar a eles algumas ferramentas teóricas? Não acho que seja só professor de filosofia que ganha com isso. Todo mundo ganha.

Fim por enquanto. Mas não termina por aqui. Entre você também nesta discussão!

Que que você acha: filosofia tem alguma coisa a ver com cidadania ou não? É necessária, suficiente, ajuda pra caramba, ou não tem nada a ver? O ensino sendo do jeito que é, é melhor ficar sem?

Participe você também! Sua opinião é super importante.

Re-abrindo a discussão (parte 4 de 5)

LM disse...

Ester, obrigado pela pronta resposta. Ainda discordo de você em alguns quesitos, e tenho dificuldade de entender outras coisas.

De início, não sei se sua comparação ajuda – volto a falar dela no final. Vou começar pelos pontos que você destacou, dizendo o que acho de cada um deles, qual deles me preocupava no meu post original.

1) É a história que é necessária ou o conhecimento da história?

Não tenho dúvidas, se alguma coisa é necessária, é o conhecimento da história.Você tem razão em dizer que, sem história, não há conhecimento de história. Mas você está errada em dizer que, sem conhecimento de história, não há história. Obviamente, nós não conhecemos todos os detalhes da história – sei lá – dos maias, o que não quer dizer que ela não exista. O ponto mais amplo é óbvio: o conhecimento de X implica (ou pressupõe) a existência de X, mas a existência de X não implica (nem pressupõe) o conhecimento de X (a não ser que você defenda algum tipo radical de idealismo, de acordo com o qual tudo que existe existe como idéia de Deus).

2) A história inteira, ou só uma parte? Qual parte?

Você diz que todo conhecimento de história contribui, e que toda parte contribui um pouco. Por que você acha isso? Não vejo nenhuma evidência para sustentar essa relação causal, e muito do que você diz em resposta a (3) parece criar dificuldades.

3) Necessidade vs. suficiência do ensino de história

Sim, é uma boa firmar a discussão nesses termos. Mas eu não estava confundindo quando disse o que disse – eu queria justamente mostrar esse abismo entre a necessidade e a suficiência.

Então, nós concordamos (provisoriamente): conhecimento de história é necessário, mas não suficiente para o exercício de cidadania.

O primeiro ponto, então, anti-otimista, é que justamente o que a lei propõe a fazer é, de novo, nos dar conhecimento necessário, mas não suficiente. Isso parece redundar na mesma situação que você critica a todo o tempo no seu blog: teoria que não gera nenhuma prática. Você pode até dizer que nós teremos um monte de alunos que sabem como exercer a cidadania, mas sem a motivação para tanto. Neste caso, qual é o ganho?

Eu tinha entendido o comentário cínico do seu irmão nesse sentido: a vida fora da escola nos ensina muito mais prática (e às vezes teoria) do que a escola. Se é assim, por que comemorar?

Mas o ponto mais profundo, que é a minha reclamação na questão (2) ali em cima, é justamente sobre se o conhecimento de história de fato é necessário ao exercício da cidadania.

E justamente neste ponto você vacila: você concorda que muita gente que não conhece nada de história muitas vezes exerce bem sua cidadania. Ora, a história é ou não necessária ao exercício da cidadania?

Você conclui dizendo, bem mais modestamente, que “ajuda pra caramba”, e isso me parece muito pouco. Será que “ajudar pra caramba” é razão boa o bastante para torná-la disciplina obrigatória?

Quero dizer, se o principal argumento para a aprovação da lei era que a filosofia (ou parte dela) era necessária para o exercício da cidadania, parece que sua atual admissão de que ela só ajuda pra caramba (e talvez até menos que um passeio de Grande Circular) mina toda a credibilidade da lei. E toda a razão para otimismo.

4) Por que o otimismo?

No fim, você defende chão bem raso para seu otimismo: você diz que a vantagem da inclusão da história no currículo básico são duas, tornar o conhecimento mais acessível e valorizar a profissão.

Eu consigo entender muito bem sua segunda razão, e acho um tipo virtuoso de egoísmo. Mais que isso, concordo com você: é bom valorizar minha profissão.

Mas vejo dois problemas aí.

O primeiro tem a ver com o que você admite na seqüência – a falta de professores qualificados. Do jeito que a filosofia é ensinada, preferia que ela não fosse. Os livros são ruins, os professores parecem ser. Neste caso, acho que o que está sendo feito é um desserviço à profissão (vide o comentário acima que fala da filosofia como “aula do sono”).

Resumindo, concordo com seu fim (devemos valorizar nossa profissão), mas sou muito suspeito dos meios (torná-la obrigatória no segundo grau) para atingi-lo.

O segundo tem a ver com o bairrismo dessa defesa. É bom para os professores de história que a história se torne obrigatória, mas e para os alunos?

Quanto à sua outra razão para otimismo, tornar o conhecimento mais acessível, eu concordo que isso é bom. Mas isso está a milhas de distância da proposta inicial da lei, e do seu primeiro otimismo.

Tornar certos conhecimentos mais acessíveis é bom, mas não porque os conhecimentos sejam bons em si, mas simplesmente porque é bom para os alunos ter acesso à maior diversidade de conhecimentos, para que eles possam escolher um a que se dedicar. Nessa esteira, quanto mais diversidade de conhecimentos oferecermos, melhor – mas isso é compatível com a filosofia (e outras disciplinas, como literatura russa e cálculo) ser optativa, e não obrigatória. Se fosse para defender alguma tese, defenderia esta.

5) A analogia história/filosofia

Não entendi a razão da sua analogia. Tudo ficaria claro se você tivesse dito filosofia em vez de história.

Mais que isso, dada a natureza amplamente diferente das duas disciplinas, seria possível, por exemplo, que tivéssemos conclusões bem díspares: por exemplo, uma delas sendo necessária ao exercício da cidadania e a outra, não. A meu ver, não está claro que alguma das duas seja necessária (ou suficiente) para o exercício da cidadania, então a analogia foi inócua, mas ela foi também despropositada.

Mas um detalhe me chamou a atenção. Lá pelas tantas, quando falando dos benefícios práticos do conhecimento de história, você muda de assunto: em vez de falar de como o conhecimento de história influencia no exercício da cidadania, você diz como ele pode fazer alguém entrar para a história.

E isso parece interessante – quer dizer, você parece tomar como vocação natural da história a capacidade de produzir agentes históricos. O natural, então, seria pensar que a filosofia forma filósofos, não cidadãos.

Qual, então, a conexão entre filosofia e cidadania? A dúvida permanece.

LM

Fim da parte 4

Re-abrindo a discussão (parte 3 de 5)

Alterego disse...

Luís,

Para ver se eu entendi seu comentário, vou substituir "filosofia" por "história", e ver o que acontece.

Então, digamos que comemorasse uma lei que exigisse o ensino de história no segundo grau porque "história é necessária ao exercício da cidadania". Daí você poderia perguntar:

1) É a História que é necessária, ou o conhecimento de História?

2) A História inteira, ou só uma parte? E qual parte?

3) Se a História é assim tão necessária para o exercício da cidadania, como explicar que possa ter pessoas como eu, que estudaram história bastante, mas não acham que ajudaram em nada em seu "exercício de cidadania" (a ponto de nem saber o que isso significa).

4) E, dado 3, para quê ficar otimista com anúncio da propagação do ensino de História?

Então vamos por partes.

1) A História é necessária, ou o conhecimento de História?

Os dois, eu acho. É que nem Tostines. Sem História não existe conhecimento de História, mas sem conhecimento de História não há História. Mais: sem uma preocupação com o ensino de História, a História não se renova. É legal pensar que a pessoa ao aprender História de uma maneira faz História também.

2) A História inteira, ou só uma parte? E se for uma parte, qual?

Eu acho que a História inteira contribui, mas que é difícil, se não impossível, para uma pessoa dominar o campo todo da História (ou da Matemática, ou da Física), ainda mais no segundo grau.Então acho que qualquer pouco que você aprenda, contribui um pouco. Só deu para estudar História do Brasil? Quem bom conhecer um pouco da História do Brasil. Deu para estudar Brasil e um pouco de América também? Melhor ainda. Só deu para estudar História Antiga e Medieval? Muito bom, melhor que nada.

3) Se a História é assim tão necessária para o exercício da cidadania, como explicar que possa ter pessoas como eu, que estudaram história bastante, mas não acham que ajudaram em nada em seu "exercício de cidadania" (a ponto de nem saber o que isso significa).

Bom, aqui que a distinção entre "necessário" e "suficiente" ajuda. Acho difícil alguém contribuir para a História sem ter um pingo de consciência histórica. Por outro lado, conhecimentos profundos de todo campo da História não fazem alguém entrar para a História automaticamente. Depende de como a pessoa utiliza seus conhecimentos teóricos para ajudar na sua prática. Conhecimento de História é necessário, mas não é suficiente.

Aliás, na verdade não é assim nem tão muito necessário, pois muita gente fez História sem ter muito conhecimento formal de História. Mas daí entra o conhecimento informal, que vem do ambiente, da cultura oral do lugar, do conversar com as pessoas, com o observar a realidade. E nesse ponto, um passeio de Grande Circular ensina tanto senão mais que a sala de aula.Então: conhecimento de História não é suficiente e talvez nem necessário para fazer História. Mas ajuda pra caramba.

3b) Como assim "conhecimento de História ajuda no exercício ativo da cidadania", se eu nem sei o que quer dizer "exercício ativo da cidadania"?

Olha, para responder essa pergunta a gente tem que apelar para a filosofia. Só que aqui a gente não está falando de filosofia (aliás, quem é que tem o mínimo conhecimento de filosofia nesse país?). Então não posso fazer nada. Vamos voltar para a História.

4) E, dado que nem todo mundo que estuda História entra para História (ou exercita ativamente sua cidadania), para que ficar otimista com anúncio da propagação do ensino de História?

Realmente, ensino de História puro e simples não faz ninguém entrar para a História. Não faz nem aprender História necessariamente, quanto menos "exercitar ativamente sua cidadania". Mas o fato da disciplina estar presente na escola torna esse conhecimento mais acessível: no mínimo no mínimo pelo menos os alunos ficam sabendo da existência desse campo de estudos.

E não só isso. A inclusão de História no currículum de ensino médio não só pode aumentar o número de pessoas que vão escolher entrar depois para a História na Universidade, mas expande o campo de trabalho para as pessoas que já fizeram essa escolha. Dá uma valorizada na profissão, sabe? Coloca ela no mapa.

É claro que a mera inclusão do ensino de História não garante qualidade de ensino. Mas o fato da qualidade do ensino de inglês ou de artes no segundo grau ser ruim não quer dizer que aprender inglês ou artes é inútil, ou que um estudante de segundo grau não tem capacidade para dominar esses conhecimentos. É mais uma questão de melhorar a capacitação dos professores. Professor tem que muito que aprender também. De uma certa maneira força uma capacitação profissional melhor do professor de história. E eu acho tudo isso positivo.

Fim da parte 3.

Re-abrindo a discussão (parte 2 de 5)

Chico disse...
Filosofia pra mim no Cor Jesu era escutar Pais e Filhos, do Legião Urbana. "Você diz que seus pais não te entendem, mas você não entende os seus pais..." Bonito isso, né? É. Legal, legal. Depois vinha a aula de Matemática, recreio, Português, Ciências e Grande Circular. Na meia hora de Grande Circular se aprendia mais que nas cinco aulas do dia.

LM disse...
Ok, Ester - aceito seu convite de mudar a discussão para cá.

Primeiro de tudo, li o documento a que você se refere, e o que diz lá não é que a filosofia (e a sociologia, mas essa pouco me importa) é necessária ao exercício da cidadania, mas que os alunos devem ter conhecimento de filosofia necessário para o exercício da cidadania. A lei parece se comprometer com a tese modesta de que *uma parte* da filosofia é necessária ao exercício da cidadania, enquanto você dá a entender (mesmo que não tenha pensado assim) que *toda* filosofia seria necessária ao exercício da cidadania.

O problema é saber *qual* parte é essa. O relatório não diz, e, pelo que ele diz, o projeto de lei também não. Eu não faço a menor idéia de que parte seja essa - estudo filosofia há um tempo, e não acho que hoje exerça minha cidadania melhor do que antes.

Aliás, eu não faço a menor idéia do que seja exercer minha cidadania!No fim, concordo com seu irmão - não vejo a menor razão para ficar otimista...

LM

28.8.06

Re-abrindo a discussão (parte 1 de 5)

Olá, galera,

Depois de minissérie, noticiário e faroeste, a programação de hoje é "Vale a Pena Ver de Novo".

Já que o "Noticiário" de 3 de agosto ainda está rendendo comentário, resolvi reabrí-los aqui na página principal para abrir mais a discussão (agora em 5 partes para melhor visualização).

Em breve retornaremos com a nossa programação normal. Enquanto isso, curtam a nossa seção de Cartas de/para/com/contra/paralelo a/ (e)leitoras e (e)leitores.

*****

naty disse...
essa notícia é muito boa. o curso de filosofia é essencial para estudantes que qualquer área. que bom que o Brasil deu esse passo. o único problema que eu vejo é a forma como as aulas são ministradas e a falta de interesse por parte dos estudantes . Muitos colegas meus de 2 grau consideravam as aulas "disciplina do sono". ou seja, não basta ser obrigatório, tem que rolar uma conscientização da importância.enfim, esse foi o primeiro passo...bjs

Alterego disse...
É Naty, realmente, o ensino de filosofia no segundo grau, assim como muitas vezes educação artística, educação física e língua estrangeira, é só faz de conta, para inglês ver. Mas não sei se a falta de interesse é só do lado dos alunos. No meu caso por exemplo, eu estava super interessada, mas não saía do verbo "to be" todo começo de semestre.Mas o que eu acho legal da proposta é abrir o espaço para esse tipo de discussão. E só o passar da lei já é tomar a iniciativa para uma valorização. É, como você diz, só um primeiro passo, mas um passo importante.Beijocas,Ester*****

Mari disse...
Acho que o importante é levar a Filosofia a sério dentro do projeto pedagógico. O que não pode é educar os alunos demonstrando que Filosofia, Sociologia e Inglês são disciplinas menos importantes, secundárias. Acho que vale até incluir no vestibular. Claro, sempre vai ter quem se interesse ou não. Como acontece com matemática e história. Mas se ela for respeitada, a "galerinha" para de encarar como "disciplina do sono".

Fim da parte 1

16.8.06

A Importância de se Importar

Faroeste Caboclo - Quando eu tinha dezesseis anos, Galdino Jesus dos Santos, um índio pataxó, foi queimado vivo em Brasília, minha cidade natal e capital do Brasil.

A vítima estava em Brasília para as comemorações do 19 de abril, dia do índio. Estando a pensão fechada, ele dormia num ponto de ônibus em plena W-3 Sul.

Os assassinos eram quatro adolescentes, classe média alta. Quando perguntados por que tinham ateado fogo ao índio, responderam: “A gente não sabia que era um índio. Achamos que era só um mendigo.” Como se de repente isso explicasse tudo.

De onde vem a indiferença? - Eu lembro de na época ter pensado “Que idéia horrível!”. Mas minha reação não era bem indignação: na época eu era estóica demais para me indignar com qualquer coisa. Era mais um desprezo intelectual dos assassinos (“que idéia de jerico”), misturado com um resignado “é, acontece”, e com uma oração para alma do índio, que tinha ido dessa para uma melhor, e para os assassinos, para que Deus desse a eles mais juízo.

Sereníssima - E só. Nada de ficar esquentando com o que já aconteceu. Desprezo, resignação, tranqüilidade. Coisa de estóico mesmo.

Que País É Esse? - “É, acontece.” Ô, meu Deus, onde, quando, como é uma coisa dessas “acontece”? Minha falta de sensibilidade na época me assusta hoje quase tanto quanto à dos próprios assassinos. Anestesia de quem cresceu vendo Brasília sair no noticiário nacional não só pela corrupção mas também pelos crimes violentos praticados por adolescentes de classe média alta.

Geração Coca-Cola - Gente da minha idade, da minha classe social, da minha cidade. A "Parada do Índio” ficava no meu caminho para a escola. Foi pintada, cheia de homenagens. Eu passava lá todo dia, duas vezes por dia. E todo dia balançava a cabeça em reprovação, à la Harvey Siegel, como se o problema dos assassinos tivesse sido um erro de lógica, de pensamento, uma educação falha.

Giz - Foi uma falha da educação? Sim, com certeza. Mas, puxa vida!, os caras eram ricos, freqüentaram as melhores escolas, tinham tudo que queriam. O que prova: 1) que educação não é só coisa de escola e 2) que mesmo na escola a ênfase não pode ser só “intelectual”. O objetivo da educação, dentro e fora da sala de aula deveria ser o de tornar pessoas mais humanas. Não é só aprender a pensar, é aprender pensar com o coração e sentir com a cabeça.

Teorema - Mas não: a ênfase cada vez mais desprende o pensar do agir e do sentir, a teoria da prática, as causas das conseqüências, o lado subjetivo do objeto e o lado objetivo do sujeito. Os problemas são formulados e resolvidos “considerando as condições ideais” e “desconsiderando os atritos”.

Metrópole - E a minha reação estóica é conseqüência disso tanto quanto o ato assassino dos jovens. Trata-se outras pessoas como objetos na equação: esquece-se que são também sujeitos: sujeitos agentes e sujeitos sujeitos, que fazem e que são feitos pela “realidade objetiva” de todo dia. As coisas não “acontecem” simplesmente. Elas são feitas.

Indignação da Pedagogia - Comecei ontem a ler a “Pedagogia da Indignação” do Paulo Freire. Ele ficou profundamente abalado com a história de Galdino. A última coisa que ele escreveu foi sobre o nosso Pataxó, e nossos jovens:

“Que coisa estranha, brincar de matar índio, de matar gente. Fico a pensar aqui, mergulhado no abismo de uma profunda perplexidade, espantado diante da perversidade intolerável desses moços desgentificando-se, no ambiente em que decresceram em lugar de crescer.” (Pedagogia da Indignação, p. 66)

Música Urbana - Paulo Freire morreu uns dez dias depois. Não sei se ele entendeu que o Galdino foi morto não foi por ser índio: os moços pensaram que ele fosse “só um mendigo”. Foi um ato desumano de violência, de elitismo, mas não foi por racismo.

Índios - Mas claro que ele foi morto também por ser índio: por estar numa cidade desconhecida, por não ter motorista e ter se perdido, por ter chegado tarde numa pensão sem estrelas, que não tinha recepcionista 24 horas esperando pelo prezado hóspede, ou anfitriã responsável pelo bem estar da visita. Tudo isso para receber as honrarias do Dia do Índio.

Pais e Filhos, Meninos e Meninas - A violência não foi só a dos jovens. Foi da sociedade toda. Foi racismo sim, foi elitismo sim. Da sociedade toda. Meu também. O que não inocenta nem um pouco os quatro culpados. Mas estende a culpa a muitos “inocentes”: ingênuos como eu que não vemos a nossa parte nisso.

Baader-Meinhof Blues - Eu tenho uma amiga que vive dizendo que o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença. E como diz Renato Russo, “de onde vem essa indiferença temperada a ferro e fogo?” Essa história do Galdino parece letra de Metrópole misturado com Faroeste Caboclo; Índios com Baader-Meinhof Blues. “A violência é tão fascinante, e nossas vidas são tão normais”.

Pacato Cidadão - Uma das correntes mais importantes do legado de Paulo Freire na educação é tentar sacudir a indiferença do “pacato cidadão”. Fazer as pessoas pararem de ser tão passivas, pacientes, para serem também agentes impacientes. E isso começa na escola, no berço.
Mais do Mesmo - Quem me dera ao menos uma vez explicar o que ninguém consegue entender. Mas ainda é cedo.

7.8.06

Pesquisa de Opinião

Participe de nossa pesquisa! São apenas 6 perguntas.

A sua opinião é muito importante!

Questão 1: Sua experiência com a Filosofia ocorreu: (clique em todas as que se aplicam)
Na universidade
No segundo grau
No primeiro grau
Por conta própria
Somente neste blog
Nunca me apresentaram à tal senhora
Free polls from Pollhost.com

Questão 2: Para você, o Sócrates foi: (clique em todas as que se aplicam)

O maior jogador da seleção na década de 80
Um grande líder da democracia corinthiana
Um maluco de fama exagerada
O maior herói do mundo ocidental
Nenhuma das anteriores
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Questão 3: "Emílio" é o nome: (clique em todas as que se aplicam)
Do filho da Emília
Do marido da Emília
De um grande livro sobre educação infantil
De uma paródia do Sítio do Picapau Amarelo
Do cantor de "Aquarela Brasileira"
Nenhuma das anteriores
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Questão 4: Você acha que a Filosofia (clique em todas as que se aplicam):
É só para quem não tem nada para fazer da vida
É conhecimento necessário para o exercício da cidadania
É de dar sono
É legal, mas nada de muita importância
Nenhuma das anteriores
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Questão 5: O que você acha do ensino de filosofia no segundo grau: (clique em todas as que se aplicam)
Deveria ser obrigatório mesmo
Deveria ser opção da escola
Deveria ser eletiva para os alunos
É só perda de tempo
Nenhuma das anteriores
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Questão 6: E no primeiro grau? (clique em todas que se aplicam)

Deveria ser obrigatório também
Deveria ser opção da escola
Deveria ser opção dos alunos
Deveria ser opção dos pais dos alunos
Seria pura perda de tempo
Nenhuma das anteriores
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Era só isso! Viu como foi rápido?
Quer mais?
Não tinha a resposta que você queria?
Não tinha a pergunta que você queria?
Ficou legal assim?
Faça um comentário !


A Rede Alterego
agradece sua participação!


3.8.06

Noticiário

Atenção emissoras das redes Alterego: o Plantão Relâmpago do Jornal Interplexa começa ao toque de um enter:

Boa Noite!

Para comemorar hoje o primeiro mesversário das redes Alterego de comunicação (fundadas por esta humilde escritora), o Ministério da Educação aprovou lei que torna obrigatório o curso de filosofia em todas as instituições de ensino médio do Brasil.

Para mais detalhes sobre esta medida que visa promover a filosofia e a sociologia como "conhecimentos necessários ao exercício da cidadania", vá direto à fonte:

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb038_06.pdf

Hoje o Jornal Hoje, da nossa concorrente, até falou do ensino primário também, mas até o fechamento desta edição tal informação não havia sido confirmada oficialmente.

Caso o público venha obter alguma informação a respeito deste assunto, queira por favor entrar em contato com a nossa equipe.

Para quem não sabe, fontes confiáveis já algum tempo firmaram com a vossa escritora/repórter/filósofa de plantão o seguinte a seguinte proposta de pesquisa. Caberá a supra-citada autora, em troca de sua mesada anual, trabalhar com escolas de ensino médio e básico, assim como ex-alunos que cursaram filosofia pré-universitária. A idéia é elaborar um argumento bem embasado para convencer o público educacional canadense da inusitada importância de se ter acesso ao ensino de filosofia no ensino médio e até no ensino básico.

Daí o Brasil vai e dá um pulo a frente desse!

E você que viu a minissérie "Meu Interior" e ficou achando que o Brasil era o país mais atrasado do mundo nesta questão de educação, hein? Mas aqui e ali, o Brasil tem muito de se orgulhar nesse campo de educação (vide Paulo Freire, Nísia Floresta e Monteiro Lobato, por exemplo). A gente é que não sabe das pérolas que tem. Mas é vivendo e aprendendo.

O Nosso Plantão fica por aqui. Boa noite, e obrigada pela sua audiência ao longo de todos esses 31 dias!

[Termina aqui o Plantão Interplexa de 3 de agosto de 2006.]

2.8.06

Meu Interior - Parte 5 de 5

E agora com vocês, o capítulo final da emocionante minissérie "Meu Interior"

Voltando - Alguém pode pensar que as situações que eu descrevi só são possíveis nesse país de terceiro mundo onde nasci, ou nesse interior de Minas de onde veio minha família, tão diferente da capital.

Mas durante boa parte do ano eu vivo na cidade mais afluente de um dos países mais afluentes do mundo, e lá também tem pessoas que cozinham para mim e lavam minha louça (tinha época que até limpava meu quarto e arrumava minha cama) para que eu possa me concentrar nos meus estudos.

Talvez seja só coincidência que essas pessoas sejam a maioria mexicanas, assim como talvez seja só coincidência que Cielza seja negra. Mas talvez não.

Em “Teoria como Prática de Liberdade” (“Theory as Liberatory Practice”), bell hooks diz:

Quando nossa experiência vivida de fazer teorias é fundamentalmente ligada aos processos de auto-recuperação, de liberação coletiva, não existe lacuna entre teoria e prática. De fato, o que tal experiência torna evidente é o vínculo entre teoria e prática: o processo essencialmente recíproco no qual uma torna a outra possível.

Teoria não é automaticamente curativa, liberadora, ou revolucionária. Ela só faz essas coisas se a gente pedir, se a gente direcionar nossos estudos teóricos para esses fins. (Ensinando a Transgredir, p.61)

Para hooks, o próprio escrever teórico é uma prática social que pode libertar ou excluir, dependendo de como é usado.

É por isso que eu escrevo isso, por todas aquelas pessoas que, às vezes sem saber nem ler ou escrever, tornam meu ler e escrever possível.

Para elas dedico meu ler e escrever, para Cielza e Paulo Freire, Sócrates e bell hooks, pais, avós, tatataravós e toda a família, funcionários e colegas, pessoal da universidade e da igreja, Deus e seres humanos, escritores e leitores, e mais todas as pessoas sem os quais meu trabalho não seria possível. A todos vocês minha mais profunda gratidão e reconhecimento.

F I M

1.8.06

Meu Interior - Parte 4 de 5

Começa agora o quarto e penúltimo capítulo da minissérie "Meu Interior"

Não é tão mal assim – Para não ficar parecendo que eu, minha família ou a família de Cielza são mostros malvados, eu gostaria de enfatizar que a família de Cielza vive relativamente bem, comparado às pessoas dessa região. Isso pode não parecer muito, visto que o padrão da região é baixo. Mas ém terra de cego, quem tem olho é rei: para ter uma idéia, eles nem têm direito a bolsa escola, por estar acima da faixa da pobreza (rendimentos de mais de $90,00 per capita). São pessoas relativamente bem esclarecidas, honestas, trabalhadoras, engajados na comunidade, que, ao contrário dos outros, que tiram os filhos da escola para trabalhar, eles realmente se preocupam com a educação dos filhos. Cielza só está trabalhando agora porque está de férias, assim como Antônio.

Eles são uma família muito unida, que reza o terço juntos todos os dias. Minha família também (ou pelo menos quase sempre). Quando estamos lá, rezamos as duas famílias juntas, e todos, adultos e crianças, da minha família ou da deles, tomam iniciativa para puxar a reza.

Drama - Ainda assim, era Cielza que estava lavando a louça, enquanto eu estava lendo meus livros. Ela estava trabalhando e eu também, com a diferença que eu sou paga para isso, e ela só tem treze anos. E eu não conseguia parar de pensar que o meu trabalho só estava indo tão bem porque a menina de treze anos estava lavando a louça para mim. Eu contemplava tal privilégio horrorizada, sentindo o peso da injustiça, e sem mesmo poder recusar um privilégio que eu nem merecia nem desejava. Essa agonia toda, quando eu nem acho ruim lavar louça.

Uma mão lava a outra - Eu olhava para a menina tirando a mesa, e queria tirar os pratos da mão dela. Na minha cabeça eu dizia, convidava, mandava, que ela fosse brincar, que deixasse que a louça eu lavava. Mas a coragem de dizer isso eu não tinha. Tudo que eu dava conta de fazer era olhar para ela com profunda gratidão e reverência pelo trabalho de suas mãozinhas pobres. E sorrir. Era o trabalho dela que permitia que o meu progredisse, que meu aprendizado acontecesse, que minha vida melhorasse, que portas fossem abertas para mim.

Eu lavar os pratos para ela não adiantaria nada, não mudaria nada a vida dela. Mas eu podia usar o trabalho das minhas mãos para serví-la assim como o trabalho das mãos delas serviam a mim: meu escrever podia ajudar a melhorar a vida dela, abrir portas para ela, fazer o aprendizado dela progredir.

Escondida – Eu fiquei lá uma semana, e no primeiro dia me escondi dentro de casa, com vergonha que eles vissem que eu não fazia nada além de estudar o dia todo. Mas daí percebi que me esconder era querer excluir eles da minha vida, o velho truque de fugir da floresta para ver se assim as árvores caíam sem fazer barulho.

Forasteira – À tarde então peguei meus livros e minha coragem e fui para a varanda. No começo as três crianças só ficavam me olhando, essa forasteira que aparece de quando em vez, que fala engraçado, que faz coisas mais engraçadas ainda.

Mas daí do nada eles lembraram que livros eles também tinham, e material para escrever. Então eles trouxeram todo seu material escolar, e sentaram no chão de cimento da varanda, com os cadernos no colo, timidamente recusando todos meus convites para vir sentar à mesa.

Progresso – Foi meio que nem quando o Pequeno Príncipe começa a ganhar a confiança da raposa: cada dia eles se aproximavam um pouquinho. No dia seguinte, eles já foram para mesa de pingue-pongue, enquanto eu trabalhava na mesinha de jantar. Eu passei então para a mesa de pingue-pongue, que sendo grande, dava para a gente espalhar nossas coisas cada um num canto, sem invadir o espaço de ninguém. Já no dia seguinte eles finalmente aceitaram meu convite e vieram para a mesinha de jantar, depois do meu muito insistir. Daí depois, até o final da minha visita, eles já vinham e sentavam na mesa sem precisar nem falar nada. Eles estavam em casa.

Troca - Bom lembrar que teoricamente as três crianças estavam de férias. O que quer dizer que eles não tinham tarefa para aqueles dias específicos (tinha um trabalho para o quando as aulas voltassem, mas para isso faltava semanas, e que criança faria dever de casa espontâneamente com semanas de antecedência?).

Eles só estavam copiando o que eles me viam fazer. E eles riam para mim, tipo “sabia que eu sei ler também?”, e começavam a ler em voz alta do nada, saboreando cada palavra, orgulhosos da vida.

Se eu tivesse começado com uma palestra sobre o valor de estudar com afinco, de se esforçar para se dar bem, mandasse eles sacarem seus cadernos para ver, pedisse para lerem em voz alta para mim, e depois fosse me enfurnar dentro de casa para concentrar “nos meus próprios estudos”, tenho certeza que eles não ia sentar para estudar com tanta facilidade, ou com tanta alegria. E nem eu.

De repente, “os meus próprios estudos” eram eles, e o estudo deles era eu. E era difícil dizer quem foi que aprendeu mais com quem, quem estava mais admirado com quem.

Não percam amanhã o final desta melodramática e verídica história!