Interplexa

Do Latim Estérico: Inter (prep. "entre") + plexa (particípio do verbo "plicare", "dobrar", "desdobrar", "laçar") Significado: 1. neutro plural:"Coisas entrelaçadas ou que se desdobram internacionalmente" 2. feminino singular: "Mulher (ou menina) de camadas interligadas ou que se desdobra internacionalmente) Vide também: www.internexa.blogspot.com

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Local: Brasília, Toronto

Brasiliense de origem montalvanense desbravando o gelado inverno do doutorado canadense.

30.7.06

Meu Interior - Parte 3 de 5

Estamos apresentando "Meu Interior", uma minissérie em 5 capítulos.
Capítulo Terceiro

Como tudo começou - Meus pais são os dois dessa região perto de Montalvânia no norte de Minas, mas desde o começo da década de setenta eles moram em Brasília, onde nasci e cresci. Há oito anos, antes de morrer, meu avô deixou um pedaço de terra a cada um de seus quatorze filhos. Meu pai ficou com esse lindo pedaço de gerais, virgem e arisco, onde essa semana uma onça matou dois carneiros.

Os caseiros - Como meus pais tem a vida deles toda em Brasília, tem uma família de caseiros para tomar conta da fazenda. Anita cuida da casa, e Zé da roça e dos bichos. O três filhos deles, Antônio de quinze anos, Cielza de treze, e Zé Nílton de dez vão e voltam de ônibus para a escola rural todo dia, duas horas de viagem para ir e duas para voltar.

Confortos e Desconfortos - Quando eu era pequena eu não gostava de ir para a roça, porque é muito diferente da nossa vida em Brasília. É tudo muito rústico e parado. Hoje em dia eu acho rústico e extremamente interessante. O desconforto ainda está lá, mas fazer de conta que não existe não faz ele ir embora. Eu passei a semana passada toda lá, e, sem internet, telefone, televisão, asfaltos, lugar para ir, diversões, eu consegui estudar bastante. Li um pouco, escrevi um pouco, pensei para caramba.

Essa é Nova - Da última vez que eu fui lá, há um ano e meio, ela não ajudava a mãe nas tarefas de casa. Ela era criança. Mas agora, nesse lugar onde se vira mãe aos quinze anos, Cielza com treze já é gente grande. Meus pais também perceberam a mudança. Deve ser só porque ela está de férias na escola. Mesmo assim, a gente olha um para o outro meio que sem saber se a coisa certa é não deixar ela ajudar, ou, já que ela está trabalhando o dia como a mãe, pagar a diária para ajudar com a renda da casa. Criança tem é que brincar e estudar, não trabalhar. É até ilegal para a gente empregar alguém com menos de quatorze anos de idade. Por outro lado, quem trabalha sem receber não é escravo? Estávamos entre a cruz e a espada.

Só Entre a Família - As complicações e implicações da situação são muitas. Parte do problema que a família de Cielza mora com a gente, a cozinha deles é a nossa cozinha. Pode parecer que deixar a menina tirar a mesa e lavar a louça é exploração de trabalho infantil. Por outro lado, com treze anos, eu também lavava a louça lá de casa e ajudava em outros afazeres domésticos (e quando a gente conseguia, meu irmão também, só que ele era mais esperto). Eu não acho que isso foi ruim, pelo contrário. Agora, se alguém na época tivesse repreendido meus pais por causa disso, eu diria que eles estava se intrometendo onde não foram chamados. Nada a ver.

Mas a família de Cielza mora com a gente. A nossa casa é ao mesmo tempo a casa deles e o local de trabalho. E para eles isso é muito bom, e as famílias ao redor os invejam por causa disso. É bom para eles e bom para a gente. É que nem a história, não sei de que autor famoso, sobre o negro da roça e o negro da casa. O negro que trabalha na casa tem a vida melhor que a do negro da roça, mais confortável, comida melhor, tem a confiança do patrão e tal, mas ainda sim não é a casa dele. É uma situação complicada.

Dilema - A nossa família não queria que Cielza trabalhasse. Quem decidiu foi a família dela. E essa é uma família boa, que a gente gosta e respeita, assim como eles também gostam e respeitam a gente. Mas a minha família é contra a atitude comum nessas partes que considera normal criança trabalhar para ajudar na renda da família (vide a história do berço). Mas quando você ganha pouco, você meio que não tem muita escolha.

Então como é que a gente decide o que é uma questão de justiça, e o que é interferência? De qualquer jeito que você olha a situação é difícil.

Por hoje é só pessoal. Voltaremos amanhã com o quarto capítulo de "Meu Interior". Fiquem ligados!