Meu Interior - Parte 2 de 5
Atenção emissoras da rede interplexa. Na próxima linha começa o segundo episódio de "Meu Interior", uma minisséria em 5 capítulos.
No meio do nada - Eu passei a semana passada na fazenda dos meus pais, no interior árido e pobre onde não chega nem asfalto nem telefone (nem fixo nem celular), e onde eletricidade mesmo só chegou há dois ou três anos. Toda vez que a gente vai lá, a gente leva uma caminhonete cheia de doações, não por que a gente é muito rico, mas porque nossa família toda, tendo vindo dessa região, sabe que qualquer roupa usada ou brinquedo abandonado aqui para a gente de lá vale ouro. Essa região é como o Luiz Gozaga dizia, onde "quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé." E, modéstia a parte, a gente anda em burrico.
O Berço - Para se ter uma idéia da situação, conto a seguinte história verídica. Dessa vez, além da cota de roupas e brinquedos de sempre, a gente levou também um berço, que meu primo agora com quatro anos não precisa mais. Minha mãe separou cuidadosamente o tesouro em seis porções, e fomos as duas distribuí-lo entre seis famílias. O berço ficou com uma mulher que tinha tido gêmeos. Nós chegamos de tardezinha na cabaninha dela, que consistia em um cômodo principal que era sala e cozinha e tomava mais de metade da casa, e uns dois ou três cubículos que serviam de quarto. As paredes eram de barro, e o chão vermelho de terra batida.
O filho mais velho, um rapaz de quinze anos, não estava em casa. Na escola? Não. A mãe tinha achado um serviço para ele na roça onde talvez ele ganhasse $12 pela diária, e ela mandou ele matar aula e ir trabalhar.
Vendo a mulher sozinha com as crianças, minha mãe e eu não tivemos dúvida. Não dava para só entregar as partes do berço: a gente tinha que deixar era montado. Esse povo não sabe o que é berço, eu não sei nem se eles tinham cama. Deixasse o berço lá, ele não seria montado nunca. Talvez virasse as novas instalações do galinheiro.
E de qualquer forma, meu vício inveterado de montar quebra-cabeça não me deixaria passar a chance de montar aquele berço. Arregaçando as manguinhas, eu pedi para as enfermeiras me trazerem os instrumentos para começar a operação. Chave de fenda. Não tem. Me vê uma faca então. Não tem. Ela me deu então um daquales chaveiros que vem com um cortador de unha, você abre no meio e tem uma lixinha de metal. Um cortador de unha para montar um berço inteiro. Me senti a própria McGyver do "Profissão: Perigo".
Eu sentei no chão de terra e comecei a montar esse berço com uma lixa enferrujada do tamanho do meu mindinho. Como o berço era grande demais para passar pela porta, a gente tinha que montar ele na cozinha, seu paradeiro final. O sol se pôs, e virou um breu só. A lâmpada da cozinha tinha queimado, e não tinha nem lâmpada reserva, nem escada que alcançasse o telhado sem forro para trocar a lâmpada. Com muito esforço eu consegui convencer a dona a acender todas as outras duas lâmpadas da propriedade, uma lá fora na varanda, outra no quarto. Era o máximo da resplandecência.
Depois de muito insistir também, consegui que ela me trouxesse uma peixeira, ferrugem pura, sem ponta nem cabo. E com tal bisturi, terminei então a operação, e o berço ficou pronto, o móvel mais imponente da casa. Nós voltamos então para casa, com muitos obrigadas e três galinhas como prova.
Não percam amanhã o terceiro capítulo desta minissérie!
No meio do nada - Eu passei a semana passada na fazenda dos meus pais, no interior árido e pobre onde não chega nem asfalto nem telefone (nem fixo nem celular), e onde eletricidade mesmo só chegou há dois ou três anos. Toda vez que a gente vai lá, a gente leva uma caminhonete cheia de doações, não por que a gente é muito rico, mas porque nossa família toda, tendo vindo dessa região, sabe que qualquer roupa usada ou brinquedo abandonado aqui para a gente de lá vale ouro. Essa região é como o Luiz Gozaga dizia, onde "quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé." E, modéstia a parte, a gente anda em burrico.
O Berço - Para se ter uma idéia da situação, conto a seguinte história verídica. Dessa vez, além da cota de roupas e brinquedos de sempre, a gente levou também um berço, que meu primo agora com quatro anos não precisa mais. Minha mãe separou cuidadosamente o tesouro em seis porções, e fomos as duas distribuí-lo entre seis famílias. O berço ficou com uma mulher que tinha tido gêmeos. Nós chegamos de tardezinha na cabaninha dela, que consistia em um cômodo principal que era sala e cozinha e tomava mais de metade da casa, e uns dois ou três cubículos que serviam de quarto. As paredes eram de barro, e o chão vermelho de terra batida.
O filho mais velho, um rapaz de quinze anos, não estava em casa. Na escola? Não. A mãe tinha achado um serviço para ele na roça onde talvez ele ganhasse $12 pela diária, e ela mandou ele matar aula e ir trabalhar.
Vendo a mulher sozinha com as crianças, minha mãe e eu não tivemos dúvida. Não dava para só entregar as partes do berço: a gente tinha que deixar era montado. Esse povo não sabe o que é berço, eu não sei nem se eles tinham cama. Deixasse o berço lá, ele não seria montado nunca. Talvez virasse as novas instalações do galinheiro.
E de qualquer forma, meu vício inveterado de montar quebra-cabeça não me deixaria passar a chance de montar aquele berço. Arregaçando as manguinhas, eu pedi para as enfermeiras me trazerem os instrumentos para começar a operação. Chave de fenda. Não tem. Me vê uma faca então. Não tem. Ela me deu então um daquales chaveiros que vem com um cortador de unha, você abre no meio e tem uma lixinha de metal. Um cortador de unha para montar um berço inteiro. Me senti a própria McGyver do "Profissão: Perigo".
Eu sentei no chão de terra e comecei a montar esse berço com uma lixa enferrujada do tamanho do meu mindinho. Como o berço era grande demais para passar pela porta, a gente tinha que montar ele na cozinha, seu paradeiro final. O sol se pôs, e virou um breu só. A lâmpada da cozinha tinha queimado, e não tinha nem lâmpada reserva, nem escada que alcançasse o telhado sem forro para trocar a lâmpada. Com muito esforço eu consegui convencer a dona a acender todas as outras duas lâmpadas da propriedade, uma lá fora na varanda, outra no quarto. Era o máximo da resplandecência.
Depois de muito insistir também, consegui que ela me trouxesse uma peixeira, ferrugem pura, sem ponta nem cabo. E com tal bisturi, terminei então a operação, e o berço ficou pronto, o móvel mais imponente da casa. Nós voltamos então para casa, com muitos obrigadas e três galinhas como prova.
Não percam amanhã o terceiro capítulo desta minissérie!
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